Autor(es): Maria Cristina Fernandes |
Valor Econômico - 17/02/2012 |
São Paulo elegeu sete prefeitos desde a redemocratização. Destes, quatro conquistaram o posto com alianças encabeçadas pela direita (Jânio, Maluf, Pitta e Kassab), dois o fizeram pela esquerda (Erundina e Marta) e apenas um pelo centro (Serra). Preferências mudam, mas o eleitorado de São Paulo tem se mostrado razoavelmente estável ao longo das últimas duas décadas. Essa estabilidade se reproduz geográfica e socialmente com considerável coerência. A direita, quando capaz de montar alianças capazes de abocanhar um naco das áreas e dos eleitores de centro e esquerda, tem sido a força eleitoral mais competitiva da maior cidade do país. Some-se à força da história eleitoral a taxa de sucesso de prefeitos que buscam fazer seus sucessores. Em São Paulo, desde 88, apenas dois o fizeram - Maluf e Serra -, elegendo sucessores oriundos da direita partidária, Pitta e Kassab. Foge, portanto, do campo da elocubração ou torcida a constatação da força eleitoral do prefeito Gilberto Kassab. Ainda que a fotografia do momento revele uma administração mal avaliada, o histórico do comportamento eleitoral paulistano, somado à boa saúde financeira do município neste último ano de mandato, dá ao prefeito capital suficiente para lhe assegurar a condição de pivô de sua sucessão. Ao criar o PSD Kassab montou a estratégia com a qual pretende ampliar a abrangência desse capital político da esfera municipal para a nacional. Aliando-se a um partido com nítidas ambições de chegar ao Palácio do Planalto, o PSB, Kassab deixou claro que entrou no jogo para ir além do espaço de fiel da balança entre petistas e tucanos hoje ocupado pelo PMDB. Foi em busca desse capital ampliado que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez a minuta de aproximação entre o PT e Kassab, que culminou com a ida do prefeito ao palanque do aniversário petista. Valeu-se dos mapas eleitorais das duas vitórias petistas na cidade. Luiza Erundina foi beneficiária de um voto útil de última hora numa campanha em que o esvaziamento do centro resultou na sua polarização com os malufistas. Tivesse havido segundo turno, o centro e a direita somados teriam votos de sobra para derrotar Erundina. Doze anos depois, Mario Covas mostrou como a força de alguns personagens pode mudar cartas marcadas. Governador do Estado quando seu candidato a prefeito da capital, Geraldo Alckmin, perdeu a vaga no segundo turno de 2000 para Paulo Maluf por oito mil votos, Covas subiu no palanque petista arrastando o centro para eleger Marta Suplicy. O mapa daquela votação mostrou que Marta ganhara na cidade inteira, à exceção das seções eleitorais com maior perfil de renda, lideradas pelo candidato do PSDB. Enquanto Maluf foi forte, os tucanos não encontraram seu lugar na cidade. Foi preciso uma hecatombe das proporções da administração Celso Pitta para desgastar o capital político do malufismo e dar lugar, em 2004, à primeira vitória do PSDB no seu berço político com a eleição de José Serra. A sobrevivência do malufismo na capital explica em grande parte por que o PSDB, governando o Estado de São Paulo desde 1994, só ganharia a eleição paulistana dez anos depois. No Estado o PSDB ocupou os espaços do PMDB de Orestes Quércia, cuja força eleitoral declinou enquanto a do malufismo ascendia. Quando Paulo Maluf elegeu-se prefeito da capital (1992), Luiz Antônio Fleury Filho já se preparava para encerrar em desgraça a derradeira gestão pemedebista no Estado. A ascensão de Serra à prefeitura em 2004 e a eleição de Kassab quatro anos depois se dariam com a herança de zonas eleitorais do centro expandido de tradição malufista e marcadamente antipetista. As franjas da cidade continuariam com o PT mas, na sua derradeira tentativa de voltar, Marta mostrou não ser capaz de ultrapassá-las. Nem o perfil classe média de Dilma foi capaz de romper a muralha erguida em São Paulo contra o PT. Nas cinco eleições presidenciais - e outras cinco estaduais - que disputou o partido, só venceu uma única vez na capital paulista, quando Luiz Inácio Lula da Silva derrotou Serra em 2002, numa contenda marcada pelo desemprego crescente do final do governo Fernando Henrique Cardoso. As dificuldades eleitorais petistas no mais importante centro urbano do país desmontam uma tese em voga nas esquerdas durante muito tempo, de que os eleitores inclinam-se por candidatos conservadores por falta de esclarecimento. O microcomerciante de Santana, tradicional reduto malufista da zona norte da cidade, apesar de ter prosperado nos governos Lula/Dilma, só enxerga taxas municipais quando pensa que o PT voltaria à prefeitura. Foi a perspectiva de conquistar esse eleitor que fundamentou os argumentos pró-aliança com o PSD. Kassab já estava precificado no PT quando a candidatura Serra tomou forma. Os petistas avaliam que Kassab lhes ajudaria a vencer em São Paulo e minar as chances de o PSD vir a se aliar aos tucanos em 2014. Os tucanos também estão chegando à conclusão não podem prescindir dele na disputa paulistana, além de temerem o isolamento a que podem vir a ser submetidos pela aliança PT-PSD. Petistas, pelo poder de contemplar o PSD neacionalmente, parecem ter mais poder de barganha, mas pesa a favor do PSDB maior afinidade das bases eleitorais de ambos os partidos. O que está em jogo é mais do que um ministério ali ou uma candidatura acolá. É a máquina de fazer política em que se transformou o PSD. Com o aumento da procura, o preço do prefeito subiu. E o pregão mal começou. Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras. |
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
O preço de Kassab
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