sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Feminismo ou barbárie


Concha Caballero

O que têm em comum um judeu ultraordoxo, um talibã afegão, um muçulmano  radical, um cristão integrista, um budista ou um hindu recalcitrante? Não é sua crença em Deus nem na vida eterna; não é a oração nem a congregação; não é o sentido da culpa e da redenção, mas seu profundo ódio à liberdade das mulheres. A todos ocorre o mesmo.

Não importa a origem mítica da criação que cada religião recria, se o ser humano naceu do barro, das nuvens ou da fumaça. Não importam os ritos que lhe são consagrados nem o nome com o qual os invocam: Iaveh, Alá, Deus, Ngai ou Popol... Todas as religiões, especialmente as monoteístas, compartilham uma intensa rejeição da igualdade das mulheres e, em suas leituras mais extremistas, uma brutalidade sem limites para castigar aquelas que se atrevem a questionar a supremacia masculina.

É claro que há graus, escalas, matizes que não se pode perder de vista. De todas elas, o cristianismo é a religião que conviveu mais tempo com sociedades que separaram o poder da Igrea e do Estado e, ainda que a contragosto, foi aceitando os passos das mulheres rumo à igualdade. Não obstante, sua teoria continua imune às mudanças sociais como nos recordam com frequência as declarações de bispos e de representantes religiosos sobre violações, pederastia, aborto ou igualdade das mulheres.

Esta semana ficamos sabendo que os judeus ultraortodoxos de Israel cospem nas meninas por causa da roupa que vestem, determinam em que calçada da rua deve caminhar cada sexo, segregam as mulheres nos ônibus, as casam sem seu consentimento e as privam de qualquer capacidade de decisão. Tudo isto em uma sociedade avançada e perante o silêncio cúmplice, até agora, das autoridades. O judeu ultraortodoxo é intercambiável com o talibã, com  o extremista islâmico, com o chefe das tribos africanas mais ferozes e com algum bispo espanhol.

Frente a estas manifestações ultrarreligiosas, estão triunfando no mundo árabe versões um pouco mais edulcoradas e frouxas do poder religioso. No Egito, as mulheres que saíram às ruas para exigir democracia foram detidas e humilhadas. Autoridades que não se consideram integristas, mas moderadas, as submeteram a exames de virgindade. Porém, o mundo ainda não compreendeu que pode chamar de democracia nenhum sistema político que não contemple, sem restrições, a plena igualdade de homens e mulheres. E além disso, que não há praticamente nenhum sistema político confessional que possa ser denominado autêntica democracia.

Entretanto, nossos governantes sentam-se e dialogam alegremente com regimes que condenam e apedrejam as mulheres, que as torturam e as escravizam, que as privam de seus direitos mais elementares como pessoas, da Arábia Saudita aos novos governos afegãos. Chamam de democráticos governos discriminatórios e saúdam avanços de regimes que tem por costume segregar as mulheres.

Há em curso uma internacional genocida que ninguém denuncia. Diariamente no mundo são assassinadas milhares de mulheres pelo simples fato de pertencer a este gênero; por ter infringido as normas públicas ou privadas da supremacia masculina. Apedrejadas em praça pública ter terem sido infiéis ou apunhaladas em casa pelo mesmo motivo. Vítimas de uma mesma religião: a que consagra ao homem um lugar superior a das mulheres. Por isso, queridos leitores, não se pode reduzir a violência contra as mulheres a casos particulares, a um conflito familiar, a falhas na aplicação de uma lei, nem mudar o nome do delito. Trata-se de um crime carregado ideologia, de supremacia masculina, de vingança contra a liberdade das mulheres. As palavras importam pois elas nos definem e, neste caso, traçam uma linha divisória. De um lado, a maioria da sociedade, incluída a maior parte dos homens, que compreendeu o horror da barbárie; do outro lado, os bárbaros e os nostálgicos dos velhos tempos.

(*) Artigo publicado no site do jornal El País, em 01/01/2012. Tradução livre de Lula Ramires. Texto original em espanhol disponível em:


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