O candidato do PT à prefeitura de São Paulo critica stalinistas, trotskistas, neoliberais e também alguns petistas – por terem atacado Kassab na campanha de 2008
ANGELA PINHO E RICARDO MENDONÇA
Quando o ex-presidente Lula deu os primeiros sinais a favor da candidatura de Dilma Rousseff à Presidência, muita gente desconfiou da viabilidade daquela operação política. Dilma nunca disputara eleição, era desconhecida do grande público e não parecia ter aquela desenvoltura típica dos políticos tradicionais. Agora, os petistas acham que podem repetir o feito com o acadêmico Fernando Haddad, pré-candidato a prefeito de São Paulo, neófito em disputas eleitorais. Depois de morar oito anos em Brasília, ele deixou o Ministério da Educação há dez dias para se dedicar exclusivamente à eleição. Feita em dois encontros, esta foi a primeira entrevista de Haddad após ele desembarcar definitivamente na cidade que quer governar.
ÉPOCA – Lula e Dilma estão dando conselhos ao senhor?
Fernando Haddad – Conversamos frequentemente.
ÉPOCA – Que conselhos eles dão?
Haddad – São observações, preocupações, antecipações...
ÉPOCA – Dê um exemplo concreto.
Haddad – O tipo de ataque que vai ser feito. A presidenta sofreu muitos ataques pessoais, difamação, injúria. Ela fala sobre como lidar com esse tipo de provocação. A vida pública é difícil por esse lado... Você quer fazer um debate de nível, e aí de repente sai alguém com comentários que você nem compreende a intenção. Olha, o maior drama que a presidenta Dilma sofreu foi essa coisa de rebaixar o debate, de usar a crença e a fé das pessoas, estimular a intolerância, criminalizar comportamentos, não se solidarizar com dramas pessoais. A campanha é um momento precioso: a sociedade se reúne em torno da discussão pública. Mas às vezes involui. Ela me dá diversas sugestões de como resistir a eventuais ataques desse tipo.
ÉPOCA – Na última eleição municipal, a campanha do PT perguntou se o prefeito Gilberto Kassab era casado e tinha filhos.
Haddad – Foi um equívoco. O partido reconheceu. E veja a diferença: a campanha admitiu o erro, assumiu o erro e se retratou. É diferente de uma prática que foi usada sistematicamente e da qual não se fez autocrítica até hoje.
ÉPOCA – Por falar em autocrítica, o senhor vai passar a campanha toda respondendo sobre as falhas do Enem.
Haddad – O Enem é um trunfo importantíssimo. Uma de nossas maiores realizações foi inscrever 5 milhões de brasileiros para concorrer a 450 mil vagas na universidade. Acabou com 95 vestibulares. As pesquisas dão conta de um número recorde de aprovação. O Enem americano tem 85 anos e enfrenta problemas até hoje. Não sou estrategista, mas é um tiro na água que vão dar se quiserem acertar no Enem.
ÉPOCA – Ficou a imagem de um exame com problemas de gestão.
Haddad – Uma imagem artificialmente construída. Em 2009, realmente houve um problema grave. Mas depois foram questões muito pontuais. Em 2010, 0,1% das pessoas refizeram a prova à custa da gráfica que errou num lote de impressão. Em 2011, foi um colégio afetado pela questão do pré-teste. Um.
ÉPOCA – O senhor escreveu um livro chamado Em defesa do socialismo. O que é ser socialista?
Haddad – Eu sou um socialista. O socialismo, em minha opinião, tem dois compromissos importantes. O primeiro é a recusa de toda experiência autoritária em nome da igualdade. Entrei no movimento estudantil numa quadra histórica em que ainda havia forte presença de stalinistas e trotskistas. E nunca militei nessas organizações, justamente em virtude do viés autoritário. Então, sou de linhagem mais frankfurtiana, por assim dizer.
ÉPOCA – E o segundo compromisso?
Haddad – É o apreço pela agenda da igualdade, a ampliação de oportunidades, a emancipação dos indivíduos. Pela intolerância em relação à desigualdade e tolerância em relação à diversidade. Até fico impressionado com a quantidade de neoliberais ex-comunistas. É notável. A pessoa é neoliberal, mas foi comunista na juventude, o que revela certa coerência na forma, mas incoerência no conteúdo. Eram autoritários de esquerda, viraram autoritários de direita. E não prestaram contas dessa trajetória. Defendiam o Estado absoluto, defendem agora o mercado absoluto. Então essa recusa ao autoritarismo – estatal ou de mercado – é o apreço pela diversidade e a busca por equalização de oportunidades e combate à desigualdade.
ÉPOCA – A presidente Dilma acabou de ir a Cuba, o que chamou a atenção para a temática dos direitos humanos. É um país que, em sua opinião, preza por essa recusa ao autoritarismo?
Haddad – Direitos humanos é um tema que foi alargado ao longo dos séculos. Nos primórdios, os direitos sociais não eram considerados. Então, até compreendo quando alguém faz referência aos direitos sociais em Cuba, sobretudo no que diz respeito à saúde e à educação. Mas penso que isso não pode servir de pretexto para que outros direitos sejam sonegados. Direitos humanos, na ótica do socialismo moderno, tem de abranger os direitos civis, políticos e os sociais.
ÉPOCA – Então o senhor diria que, em Cuba, os direitos políticos são sonegados?
Haddad – Eles não são tratados de uma maneira tão atenciosa como os direitos sociais.
Ricardo Mendonça, um dos autores desta entrevista, no Twitter: @RMendonca09
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/
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